O menino que Gaspar não conhece
Supermercado do centro comercial das Amoreiras, fim da tarde de
terça-feira. Uma jovem mãe, acompanhada do filho com seis anos, está a pagar
algumas compras que fez: leite, manteiga, fiambre, detergentes e mais alguns
produtos.
Quando chega ao fim, a empregada da caixa revela: são 84 euros. A
mãe tem um sobressalto, olha para o dinheiro que traz na mão e diz: vou ter de
deixar algumas coisas. Só tenho 70 euros.
Começa a pôr de lado vários produtos e vai perguntando à
empregada da caixa se já chega. Não, ainda não. Ainda falta. Mais uma coisa.
Outra. Ainda é preciso mais? É. Então este pacote de bolachas também fica.
Aí o menino agarra na manga do casaco da mãe e fala: Mamã, as
bolachas não, as bolachas não. São as que eu levo para a escola. A mãe, meio
envergonhada até porque a fila por trás dela começava a engrossar, responde: tem
de ser, meu filho. E o menino de lágrima no canto do olho a insistir: mamã, as
bolachas não. As bolachas não.
O momento embaraçoso é quebrado pela senhora atrás da jovem mãe.
Quanto são as bolachas, pergunta à empregada da caixa. Ponha na minha conta. O
menino sorriu. Mas foi um sorriso muito envergonhado. A mãe agradeceu ainda mais
envergonhada. A pobreza de quem nunca pensou que um dia ia ser pobre enche de
vergonha e pudor os que a sofrem.
Tenho a certeza que o ministro Vítor Gaspar não conhece este
menino, o que seria obviamente muito improvável. Mas desconfio que o ministro
Vítor Gaspar não conhece nenhuns meninos que estejam a passar pela mesma
situação. Ou se conhece considera que esse é o preço a pagar pela famoso
ajustamento. É isso que é muito preocupante.
Nicolau Santos, Expresso Online, 21 novembro 2012
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