Foi anunciado como um acontecimento e não desiludiu. O fim
do silêncio do engenheiro foram cerca de 90 minutos de puro entretenimento no canal
público de televisão. Pode parecer embaraçoso confessar, e admito que é uma estranha forma
de sebastianismo, mas já tínhamos algumas saudades da gravatinha cor azul turquesa,
do franzir do sobrolho, do seu ar de enfado, do esgar de reprovação, do seu ar
cândido subitamente alterado para o registo crispado e colérico, da arte de
manipular a conversa e de condicionar os entrevistadores. Os dois anos de exílio
em Paris não o mudaram nada. Penso que até o refinaram. Obstinadamente preparado, como
sempre, mesmo que à custa de muita mentira e efabulação, denunciou os
«embustes», a «mistificação» e tudo fez para contrariar as «doutrinas» e as
«narrativas», termo que repetiu «ad nauseam». Citou a «Divina Comédia» de
Dante, confessou estar a colaborar com a RTP «pró bono» e referiu que foi para
Paris com um empréstimo do seu banco, a CGD. Vingativo até à medula, ajustou
contas com os seus inimigos com deleite, quase com prazer masturbatório. Primeiro com Cavaco, «a mão
escondida por detrás do arbusto» (uma frase tão deliciosa quanto assassina), acusando-o de fazer cair o seu governo e depois com as «ignóbeis
campanhas» do Correio da Manhã, durante a sua permanência na «cidade luz».
Foram duas bazucas dirigidas a Belém e ao jornal da Cofina. Como se saiu o
ex-Primeiro-Ministro? Muito bem. Disse muitas verdades, mas se estivesse ligado
a um detector de mentiras certamente a máquina teria explodido por exaustão de
funcionamento. Este foi o seu primeiro exercício de vitimação. O primeiro acto. Depois
da Páscoa o renascer das cinzas terá mais episódios. Audiências garantidas.
28 março, 2013
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