Henrique Monteiro, director do «Expresso» e também conhecido nos meandros por «Petit Larousse», devido ao seu saber enciclopédico, publica um artigo no sítio do semanário do «doutor Balsemão» que vale a pena ler. O título não se pode dizer que não é chamativo: «Sócrates, os "crimes" e a verdade» .
Vera Jardim, João Cravinho, António José Seguro e Ana Gomes são apenas quatro dos militantes socialistas que vieram dizer que é necessário esclarecer a participação de José Sócrates no negócio da TVI.
Têm razão. Há muito que esse esclarecimento é necessário.
Quando o Expresso noticiou, em Junho do ano passado, que ao contrário do que o primeiro-ministro dissera no Parlamento, a possibilidade de a PT comprar a TVI era conhecida de José Sócrates desde Janeiro (foi manchete neste jornal), acusámos o chefe do Governo de ter mentido à Assembleia da República. Na mesma ocasião, dissemos que Sócrates discutira o assunto com Zapatero numa cimeira em Zamora, em Janeiro de 2009.
A mentira, que em qualquer latitude democrática seria considerada uma falta grave, ficou, por cá, sem consequências. Ainda havia maioria absoluta no Parlamento e qualquer inquérito seria vetado. Um pouco depois, Manuela Ferreira Leite chamaria, com todas a letras, 'mentiroso' a José Sócrates, numa entrevista à televisão, mas ninguém pareceu incomodado com isso.
Concorrência desleal. O negócio da PT foi desfeito, mas uns accionistas daquela empresa, especialistas em compras na Comunicação Social, a Ongoing, avançou para a compra da TVI (depois de beneficiar de um financiamento polémico do Fundo de Pensões da PT) e cumpriu à risca o plano que havia sido delineado: puseram José Eduardo Moniz numa prateleira dourada, retiraram Manuela Moura Guedes do ar e alteraram o perfil do canal.
Entretanto, nos meios da finança e da Comunicação Social afirmava-se que a Cofina não conseguira obter o financiamento necessário para comprar a estação de Queluz de Baixo. O mistério adensava-se: como era possível que a Ongoing, cujo endividamento é enorme e cujos activos na Comunicação Social se resumem ao pequeno e deficitário 'Diário Económico' e a 23 por cento do Grupo Impresa (proprietário do Expresso), conseguisse um financiamento que é recusado à Cofina que detém o maior e mais lucrativo diário do país, o 'Correio da Manhã' e ainda a revista 'Sábado' e o jornal 'Record' entre os seus principais activos?
Ou seja, o que se passa neste mundo de jornais, rádios e televisões não é claro, nada claro. Neste momento, o grupo Impresa e o Grupo Cofina estão no mercado a lutar por audiências e por lucros gerados por essas audiências, defrontando-se com outros grupos para os quais o lucro não interessa, pois os objectivos sociais das empresas não está na comunicação, mas sim na influência que pode gerar essa comunicação. A Entidade Reguladora, sempre tão preocupada com pequenas coisas, bem se podia preocupar com isto. Se há concorrência desleal, é aqui.
Interferências políticas. Se a situação já era suficientemente má sem existirem interferências políticas, imaginem como fica quando elas são sentidas de modo claro. O gabinete do primeiro-ministro teve sempre por estratégia secar completamente a informação aos grupos e jornais que não domina, privilegiando descaradamente os jornais 'amigos'. Recordo, para aqueles que acham isto 'normal' que a informação disponível do Estado deve ser prestada em condições de igualdade e que o direito a ser informado é um imperativo constitucional.
Aqui no Expresso qualquer passo para saber algo sobre iniciativas do Governo foi, em muitos momentos, penoso. Depois do caso da licenciatura do primeiro-ministro, assistimos a um boicote claro na informação a este jornal e, em particular, a uma hostilidade total do primeiro-ministro. Mais: José Sócrates chegou a mentir sobre títulos que teriam sido feitos neste jornal, dando-os publicamente como exemplo de mau jornalismo. Mas, quando lhe foi demonstrado que esses títulos que ele publicamente citara eram mentira, jamais se dispôs a corrigir. À má vontade, juntou-se a má fé.
A actuação do núcleo duro do Governo em relação a jornais independentes, tem sido a de tentar colocá-los em locais em que eles não devem estar: há uma séria tentativa de identificar certos jornais com a Oposição ao PS e ao Governo. Essa estratégia, dada a ausência ou fraqueza da Oposição política teve os seus frutos. Infelizmente, nalguns casos os objectivos do centro de decisão do Governo foram conseguidos, uma vez que jornais e jornalistas mostraram (a meu ver) hostilidade excessiva e falta de frieza em relação ao Governo. Porém, em casos que conheço de perto, foram reflexos da brutalidade com que, por vezes, o poder os tratou.
A tentativa de colocar os jornais num lado ou de outro do sistema partidário, a exemplo do que se passa com os jornais desportivos, que todos sabem ser, cada um deles, ligados a um dos três grandes clubes, foi uma das grandes apostas de quem esteve com o Governo nesta guerra. Assim, aqueles que não eram controlados, eram tidos por estar ao serviço de forças políticas hostis - nada que Chávez não tivesse feito...
Em notícias como as da licenciatura, Cova da Beira, Freeport, ou agora Face Oculta as pressões foram sempre muitas. Ainda que isso possa ser considerado 'ossos do ofício', Sócrates chegou a pontos inéditos, como aqui já referi. Mais: em jornais debilitados economicamente a mão do Governo faz-se sentir e/ou houve tentativas para os domesticar. Não sei que credibilidade merecem as declarações de directores do 'Sol', mas seguramente merecem investigação.
O legado do PS. Confundir a actuação do núcleo político do Governo, ou seja de José Sócrates, Augusto Santos Silva, Pedro Silva Pereira e seus assessores e amigos, como aquele solícito e jovem administrador da PT referido nas escutas que o 'Sol' publicou, com o conjunto do Governo ou com o PS, é um erro. Neste e no Governo anterior há ministros e secretários de Estado com actuações perfeitamente salutares e democráticas; o PS tem um património de defesa da liberdade de expressão inesquecível.
Mas doravante, todos - ministros, deputados, dirigentes do PS - devem estar mais atentos ao que fazem alguns dos seus dirigentes. Se não actuam, compactuam. E não vale a pena fixarem-se no crime de divulgação das escutas ou em minudências do género, como fez José Sócrates: a verdade vale mais do que a formalidade e, embora os fins não justifiquem os meios, convenhamos que o valor público do que veio a lume releva largamente o valor privado a proteger.
Por isso, volto ao modo como iniciei - Vera Jardim, João Cravinho, António José Seguro, Ana Gomes e outros destacados membros do PS querem esclarecer o assunto. Fazem bem. Todos devem contribuir para esclarecer o que deve ser esclarecido.
Por mim, contei o que sei.
Vera Jardim, João Cravinho, António José Seguro e Ana Gomes são apenas quatro dos militantes socialistas que vieram dizer que é necessário esclarecer a participação de José Sócrates no negócio da TVI.
Têm razão. Há muito que esse esclarecimento é necessário.
Quando o Expresso noticiou, em Junho do ano passado, que ao contrário do que o primeiro-ministro dissera no Parlamento, a possibilidade de a PT comprar a TVI era conhecida de José Sócrates desde Janeiro (foi manchete neste jornal), acusámos o chefe do Governo de ter mentido à Assembleia da República. Na mesma ocasião, dissemos que Sócrates discutira o assunto com Zapatero numa cimeira em Zamora, em Janeiro de 2009.
A mentira, que em qualquer latitude democrática seria considerada uma falta grave, ficou, por cá, sem consequências. Ainda havia maioria absoluta no Parlamento e qualquer inquérito seria vetado. Um pouco depois, Manuela Ferreira Leite chamaria, com todas a letras, 'mentiroso' a José Sócrates, numa entrevista à televisão, mas ninguém pareceu incomodado com isso.
Concorrência desleal. O negócio da PT foi desfeito, mas uns accionistas daquela empresa, especialistas em compras na Comunicação Social, a Ongoing, avançou para a compra da TVI (depois de beneficiar de um financiamento polémico do Fundo de Pensões da PT) e cumpriu à risca o plano que havia sido delineado: puseram José Eduardo Moniz numa prateleira dourada, retiraram Manuela Moura Guedes do ar e alteraram o perfil do canal.
Entretanto, nos meios da finança e da Comunicação Social afirmava-se que a Cofina não conseguira obter o financiamento necessário para comprar a estação de Queluz de Baixo. O mistério adensava-se: como era possível que a Ongoing, cujo endividamento é enorme e cujos activos na Comunicação Social se resumem ao pequeno e deficitário 'Diário Económico' e a 23 por cento do Grupo Impresa (proprietário do Expresso), conseguisse um financiamento que é recusado à Cofina que detém o maior e mais lucrativo diário do país, o 'Correio da Manhã' e ainda a revista 'Sábado' e o jornal 'Record' entre os seus principais activos?
Ou seja, o que se passa neste mundo de jornais, rádios e televisões não é claro, nada claro. Neste momento, o grupo Impresa e o Grupo Cofina estão no mercado a lutar por audiências e por lucros gerados por essas audiências, defrontando-se com outros grupos para os quais o lucro não interessa, pois os objectivos sociais das empresas não está na comunicação, mas sim na influência que pode gerar essa comunicação. A Entidade Reguladora, sempre tão preocupada com pequenas coisas, bem se podia preocupar com isto. Se há concorrência desleal, é aqui.
Interferências políticas. Se a situação já era suficientemente má sem existirem interferências políticas, imaginem como fica quando elas são sentidas de modo claro. O gabinete do primeiro-ministro teve sempre por estratégia secar completamente a informação aos grupos e jornais que não domina, privilegiando descaradamente os jornais 'amigos'. Recordo, para aqueles que acham isto 'normal' que a informação disponível do Estado deve ser prestada em condições de igualdade e que o direito a ser informado é um imperativo constitucional.
Aqui no Expresso qualquer passo para saber algo sobre iniciativas do Governo foi, em muitos momentos, penoso. Depois do caso da licenciatura do primeiro-ministro, assistimos a um boicote claro na informação a este jornal e, em particular, a uma hostilidade total do primeiro-ministro. Mais: José Sócrates chegou a mentir sobre títulos que teriam sido feitos neste jornal, dando-os publicamente como exemplo de mau jornalismo. Mas, quando lhe foi demonstrado que esses títulos que ele publicamente citara eram mentira, jamais se dispôs a corrigir. À má vontade, juntou-se a má fé.
A actuação do núcleo duro do Governo em relação a jornais independentes, tem sido a de tentar colocá-los em locais em que eles não devem estar: há uma séria tentativa de identificar certos jornais com a Oposição ao PS e ao Governo. Essa estratégia, dada a ausência ou fraqueza da Oposição política teve os seus frutos. Infelizmente, nalguns casos os objectivos do centro de decisão do Governo foram conseguidos, uma vez que jornais e jornalistas mostraram (a meu ver) hostilidade excessiva e falta de frieza em relação ao Governo. Porém, em casos que conheço de perto, foram reflexos da brutalidade com que, por vezes, o poder os tratou.
A tentativa de colocar os jornais num lado ou de outro do sistema partidário, a exemplo do que se passa com os jornais desportivos, que todos sabem ser, cada um deles, ligados a um dos três grandes clubes, foi uma das grandes apostas de quem esteve com o Governo nesta guerra. Assim, aqueles que não eram controlados, eram tidos por estar ao serviço de forças políticas hostis - nada que Chávez não tivesse feito...
Em notícias como as da licenciatura, Cova da Beira, Freeport, ou agora Face Oculta as pressões foram sempre muitas. Ainda que isso possa ser considerado 'ossos do ofício', Sócrates chegou a pontos inéditos, como aqui já referi. Mais: em jornais debilitados economicamente a mão do Governo faz-se sentir e/ou houve tentativas para os domesticar. Não sei que credibilidade merecem as declarações de directores do 'Sol', mas seguramente merecem investigação.
O legado do PS. Confundir a actuação do núcleo político do Governo, ou seja de José Sócrates, Augusto Santos Silva, Pedro Silva Pereira e seus assessores e amigos, como aquele solícito e jovem administrador da PT referido nas escutas que o 'Sol' publicou, com o conjunto do Governo ou com o PS, é um erro. Neste e no Governo anterior há ministros e secretários de Estado com actuações perfeitamente salutares e democráticas; o PS tem um património de defesa da liberdade de expressão inesquecível.
Mas doravante, todos - ministros, deputados, dirigentes do PS - devem estar mais atentos ao que fazem alguns dos seus dirigentes. Se não actuam, compactuam. E não vale a pena fixarem-se no crime de divulgação das escutas ou em minudências do género, como fez José Sócrates: a verdade vale mais do que a formalidade e, embora os fins não justifiquem os meios, convenhamos que o valor público do que veio a lume releva largamente o valor privado a proteger.
Por isso, volto ao modo como iniciei - Vera Jardim, João Cravinho, António José Seguro, Ana Gomes e outros destacados membros do PS querem esclarecer o assunto. Fazem bem. Todos devem contribuir para esclarecer o que deve ser esclarecido.
Por mim, contei o que sei.