28 março, 2013

Lendas e narrativas


Foi anunciado como um acontecimento e não desiludiu. O fim do silêncio do engenheiro foram cerca de 90 minutos de puro entretenimento no canal público de televisão. Pode parecer embaraçoso confessar, e admito que é uma estranha forma de sebastianismo, mas já tínhamos algumas saudades da gravatinha cor azul turquesa, do franzir do sobrolho, do seu ar de enfado, do esgar de reprovação, do seu ar cândido subitamente alterado para o registo crispado e colérico, da arte de manipular a conversa e de condicionar os entrevistadores. Os dois anos de exílio em Paris não o mudaram nada. Penso que até o refinaram. Obstinadamente preparado, como sempre, mesmo que à custa de muita mentira e efabulação, denunciou os «embustes», a «mistificação» e tudo fez para contrariar as «doutrinas» e as «narrativas», termo que repetiu «ad nauseam». Citou a «Divina Comédia» de Dante, confessou estar a colaborar com a RTP «pró bono» e referiu que foi para Paris com um empréstimo do seu banco, a CGD. Vingativo até à medula, ajustou contas com os seus inimigos com deleite, quase com prazer masturbatório. Primeiro com Cavaco, «a mão escondida por detrás do arbusto» (uma frase tão deliciosa quanto assassina), acusando-o de fazer cair o seu governo e depois com as «ignóbeis campanhas» do Correio da Manhã, durante a sua permanência na «cidade luz». Foram duas bazucas dirigidas a Belém e ao jornal da Cofina. Como se saiu o ex-Primeiro-Ministro? Muito bem. Disse muitas verdades, mas se estivesse ligado a um detector de mentiras certamente a máquina teria explodido por exaustão de funcionamento. Este foi o seu primeiro exercício de vitimação. O primeiro acto. Depois da Páscoa o renascer das cinzas terá mais episódios. Audiências garantidas.

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